Ô povo besta

No silêncio da noite, uma pergunta reverbera no vazio das casas e no oco das cabeças…

A cerimônia do beija-mão no tempo de Dom João VI.

Cristiano de Oliveira é colunista do Jornal de Toronto

No silêncio da noite, uma pergunta reverbera no vazio das casas e no oco das cabeças, numa busca fútil por respostas: como é que a gente faz pra ser um povo tão besta?

E de cara já aviso que não estou chamando você de besta. Eu estou chamando você e eu de bestas. O brasileiro virou um bicho extremamente bobo, e isso vale pra nós todos, inclusive o camarada que tá perdendo tempo na frente do computador pra escrever esse tipo de coisa. Podia estar falando de futebol, ração pra gato, lambada, Gretchen… Mas não, ele gosta é de polêmica!

Mas não dá pra evitar o assunto, pois desde o dia em que um gaiato inventou a frase “quer aparecer, coloca uma melancia na cabeça”, passou a faltar melancia no mercado e 90% da população brasileira começou a ter dor no pescoço. A história já começa meio abestalhada, lá no início do século 19, quando D. João VI fez como aquele cara que muda pro bairro Olhos D’água mas fala que ali é Pampulha: meio com vergonha dos coleguinhas do Congresso de Viena, por ter corrido de Portugal pra se esconder no Estado do Brasil, ele muda o nome dali pra Reino Unido de Portugal, Brasil e Algarve.

Pois é, mas como acontece com todo mundo que gosta de contar muita vantagem, o nome era lindo mas ele estava mesmo era quebrado. E enquanto a Coroa não tinha nem o da passagem de ônibus, a elite brasileira, com seus fazendeiros e traficantes de escravos, era rica. Ao mesmo tempo, nossa elite era mais tosca do que é hoje, e a corte era refinada (ao menos para os nossos padrões; para o resto da Europa, era o cão de sunga). Pois D. João, muito esperto, passou a conceder títulos de nobreza pra quem deixasse um trocado bom na caixinha dele, e daí saiu Visconde da Rua do Sapo, Marquês de Tatu-Bolinha, Barão de Alvinópolis… Como se diz no bom mineirês, “só trem trapaiado”. E o brasileiro, será que sentiu o cheiro da mutreta? Rá! Até parece… Pois virou foi moda andar pela rua com as medalhas de D. João no peito, coisa extremamente incomum no resto do mundo. O bicho mais besta do planeta não só caiu no golpe, como ainda fez questão de ir pra rua se mostrar.

E não há atestado de besta maior do que dizer “ah, mas hoje é diferente”. Analise a História com carinho e você verá que nada mudou. Guardadas as proporções – vá lá, hoje já não se esquartejam os condenados – você verá que a mentalidade da nação é a mesma. Como o brasileiro de 1808, quanto mais alto chegamos na pirâmide social, mais olhamos pro próprio umbigo e cuidamos pra que aqueles abaixo de nós continuem por lá mesmo. Você pode se formar pra advogado, tornar-se juiz, desembargador e o escambau, fazer 700 juramentos às leis do país, mas não adianta: a sua origem, sua casta, seu mundinho, virá sempre antes da lei, da profissão e do juramento. Não há ética profissional que se sobreponha ao desejo do brasileiro de resolver o seu próprio lado, de impor seu modo de ver as coisas, e de conquistar o favorecimento pessoal. Não há ilibada classe jurídica, nem paladinos da justiça: há gente querendo aparecer e/ou encher os bolsos.

Um dia vamos parar de querer fazer graça, parar de bater-boca pelo simples amor ao barraco, e vamos analisar os fatos com frieza, boa memória e consciência histórica. Aí nossa besteirite ainda não estará curada, mas ao menos vai parar de coçar.

Adeus, cinco letras que choram.

Sobre Cristiano de Oliveira (30 artigos)
Cristiano é mineiro, atleticano de passar mal, formado em Ciência da Computação no Brasil e pós-graduado em Marketing Management no Canadá. Foi colunista do jornal Brasil News por 12 anos. É um grande cronista do samba e das letras.

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