Toronto: a cidade de moradia quase inviável

Alugar um apartamento, por menor e mais longe que seja, pode ser mais caro do que o antecipado.

Foto: Nate Shepherd.

Camila Garcia é colunista do Jornal de Toronto

Quase todos os dias, alguém questiona nos diferentes grupos de brasileiros em Toronto, nas redes sociais, a respeito do custo de vida na cidade. Entre as várias respostas, está a noção de que alugar um apartamento, por menor e mais longe que seja, pode ser mais caro do que o antecipado. A preocupação com moradia a preços acessíveis não é exclusiva dos imigrantes, afetando particularmente residentes de baixa renda e pessoas que dependem de subsídios do governo. Um dos destaques das eleições de outubro, o acesso à moradia é tema recorrente em reuniões na prefeitura de Toronto, com alguns vereadores tendo classificado o momento atual como uma verdadeira crise.

O Affordable Housing Office da cidade – que seria nossa Secretaria Municipal de Habitação – comissionou no ano passado um documento contendo uma visão aprofundada sobre a situação. O relatório, de 53 páginas, é denominado Toronto Housing Market Analysis e aponta que, entre os anos de 2006 e 2018, a renda familiar média cresceu apenas 30%, enquanto os custos médios de uma propriedade 131%, reduzindo assim a participação das famílias de classe média no mercado imobiliário. O mesmo estudo alega que, com os preços das propriedades atuais, essas famílias levariam de 11 a 27 anos para conseguir economizar os 10% de entrada necessários para a compra de um imóvel.

Outro ponto relevante é a constatação que a população de Toronto poderá chegar a 4 milhões de habitantes em 2041. Desta forma, a lista de espera por habitação social aumentará, assim como a necessidade por moradia acessível – levando em conta a projeção de que haverá 600 mil pessoas vivendo em lares de baixa renda.

Um potencial inquilino leva de três a quatro meses para encontrar residência e, muitas vezes, acaba comprometendo grande parte da sua renda mensal no aluguel. A escassez de unidades habitacionais destinadas a locação acontece pelo fato do desenvolvimento imobiliário não ter conseguido acompanhar, na mesma velocidade, o aumento da demanda. Para se ter uma ideia, quase 90% dos edifícios existentes foram construídos antes de 1980. Em contrapartida, nos últimos 20 anos, o mercado é dominado quase que exclusivamente pelo setor privado, que se importa mais com os próprios interesses financeiros do que com a acessibilidade de seus imóveis.

O plano do prefeito John Tory, chamado “Housing Now” – apoiado pela vice-prefeita Ana Bailão, que também preside o comitê de planejamento de moradia –, oferecerá a construtoras privadas e organizações de habitação sem fins lucrativos 11 terrenos públicos excedentes para a construção de prédios com ao menos um terço das novas unidades classificadas como acessíveis. A cidade reservou $280 milhões de dólares em incentivos financeiros, por meio de alívios em taxas de desenvolvimento, licenças de construção, solicitações e impostos de propriedade, por 99 anos. Na primeira fase, o plano prevê a construção de 10 mil casas residenciais, onde 3.700 seriam acessíveis e destinadas a famílias com renda média entre $21.000 a $52.000 por ano. O vereador Mike Layton acredita que esse número é pequeno e pede que ao menos metade das unidades sejam disponibilizadas a preços acessíveis.

Mesmo com toda a polêmica e controvérsia na qual este programa foi introduzido, ele acabou sendo aprovado com 22 votos contra 4 pela câmara municipal no final de janeiro.

É certo afirmar que este desafio pelo qual Toronto hoje passa poderá ter consequências graves no futuro. Igualdade de oportunidades, prosperidade econômica pessoal e da própria cidade podem estar em risco. Sem moradia acessível, a base trabalhadora da cidade não tem condições de permanecer e acabam deslocadas do centro urbano. Ao aumentar o custo e o tempo de deslocamento, desequilibra-se a qualidade de vida. Cabe à sociedade civil compreender que moradia acessível é um direito coletivo, e que devemos, juntos, pressionar governos e empresas privadas para que encontrem soluções inovadoras e sustentáveis. Quem sabe assim Toronto saia da lista de cidades mais caras do mundo para se morar.

Sobre Camila Garcia (14 artigos)
Camila é paulista e já trabalhou com teatro, rádio, televisão e jornalismo. Sempre de olho no universo político, adora trocar suas impressões com os mais chegados, e agora com os leitores do Jornal de Toronto. Atualmente é apresentadora do programa de televisão Focus Portuguese, todos os sábados e domingos, na OMNI TV.

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