Desconexão, utopia possível?
Maria Bitarello é escritora, jornalista e tradutora
No mundo do consumo de tecnologia, existe a expressão early adopters. Ela se refere àqueles pioneiros no consumo, os que aderem cedo às novidades. Os que querem ser os primeiros a ter o novo modelo de smartphone ou videogame, os que encomendaram os óculos da Google, os que sempre conhecem os novos aplicativos e softwares que surgiram pra solucionar problemas que você não tinha. Os early adopters muitas vezes antecipam o hype e contribuem pra que ele exista, mas também cometem seus erros e aderem a modinhas que não pegam. Eles sofrem com tecnologias ultrapassadas e são nostálgicos do futuro tecnológico que não chegarão a viver, só de imaginar a quantidade de brinquedinhos eletrônicos que não chegarão a conhecer, pois serão inventados depois de seu tempo de vida terrena. Pois é, eu não sou uma dessas pessoas. Sou uma late adopter, uma aderente tardia, desconfiada; e, em alguns casos até, uma no adopter.
Meu conhecimento de videogames ficou estacionado em meados dos anos 90, e mesmo assim nunca gostei muito daquilo. Só de pinball, que nem sei se qualifica como um game mais. No início dos anos 2000, quando surgiu o Orkut, durei poucos meses na rede. Coisinha mais chata. Depois veio o Facebook, ao qual eu demorei uns bons anos a me render. E quando o fiz, não sabia muito bem que uso fazer daquilo. Não via ninguém a meu redor que, como eu, apagasse pessoas ao invés de adicioná-las. Eu era, visivelmente, uma usuária equivocada. O Twitter não colou comigo, nem nenhuma dessas outras coisas mais jovens que eu nem conheço pra falar a verdade – Snapchat, Telegram, etc. O Instagram me convenceram a baixar faz pouquíssimo tempo, mas não me lembro de usá-lo. Já o Linkedin me pareceu útil uma época, pra fins empregatícios, mas também o abandonei por negligência.
Quando os smartphones se proliferaram, vi que não haveria saída. Adquiri meu primeiro em 2010 e três meses depois ele foi roubado. Daí ganhei outro, que também foi roubado em menos de dois meses. Me dei por vencida e fiquei um tempo sem telefone algum antes de voltar ao velho e bom Nokia lanterninha, a horcrux dos celulares (referência Harry Potter). Ele nunca estraga, a bateria é semi-eterna e ninguém vai te roubar. Um imortal. E o melhor: tem o jogo da cobrinha. Voltei a ser feliz só podendo checar e-mails de casa, sem ter que dar retorno sobre prazos do trabalho às 22h de uma sexta-feira, incapaz de postar qualquer coisa que fosse, nem tirar fotos ou dar check-in em parte alguma. Não havia cobrança nem expectativa quanto a minha velocidade em dar retorno e passei a ser considerada meio café-com-leite. As pessoas riam da minha resistência à modernidade, mas a verdade é que eu era mais relaxada sem aquela inhaca apitando a cada minuto no bolso e, uma surpresa, minha memória melhorou.
O aumento substancial de estímulos sonoros e visuais aliado à possibilidade de se googlar toda e qualquer dúvida não são, na minha opinião, aliados da inteligência e de sua irmã, a contemplação. A pessoa entra em colapso por sobrecarga. Passei a fazer o que fosse do mundo virtual apenas quando estivesse diante do computador e, assim, eu e meu Nokia lanterninha fomos felizes e apaixonados por um ano e meio. Escrevi muito nessa época.
Enquanto isso, o mundo urgia em altíssima velocidade; São Paulo nem se fale.
Mas em 2013 não teve jeito. A Tim não me aguentava mais. Minha conta mensal era de R$ 12 e eles começaram a me ligar sem parar pra oferecer pacotes incríveis de 3G. Um dia, de saco cheio, respondi: “não precisa me oferecer esses pacotes porque meu celular não tem 3G, eu não preciso desse serviço, obrigada, estou muito feliz só com torpedos”. Dois dias depois, nova ligação da operadora me oferecendo um Samsung bem simples de graça, mais seis meses de um pacote de dados gratuitos. Aceitei. O celular era tão ruim e o pacote de dados tão lento que eu continuava praticamente na mesma – não conseguia fazer nada com a combinação daquele aparelho de plástico com o sinal horroroso da operadora que, na época, não pegava nem dentro da minha casa. Mas o aparelho tinha uma câmera, dava pra ouvir música e, em caso de urgência urgentíssima, poderia checar meu velho e bom e-mail.
Nosso romance também durou cerca de um ano e meio e somente nos últimos três anos voltei a ter um smartphone realmente inteligente. Diante de tais invasões bárbaras da tecnologia, foi preciso reagir com vigor pra não ser engolida pela internet. Resolvi largar o Facebook. Passei um ano fora da rede – e de tantas outras coisas pras quais as pessoas não lembravam mais de me convidar, como lançamentos de livros, festas, shows e aniversários. Só fora do FB você se dá conta do quanto ele guia e organiza a vida de todo mundo, e também de quanto do seu tempo diário é passado ali. Vivi meses gostosos e muito produtivos, e deixei de ter aquelas palpitações esquisitas que nos acometem quando descemos a barra de rolagem da timeline e assistimos ao show de horrores cotidiano que é ser exposto à opinião de todo mundo sobre todos os assuntos. Cruz credo.
No entanto, não consegui sustentar a ausência, sobretudo porque o FB se autoprojetou de tal maneira em nossa vida que se tornou indispensável ao trabalho, e me vi impelida a retornar. E foi bom também. Segui conectada com moderação. Agora, há um mês, um presente das deusas: circunstâncias muito favoráveis a um sumiço da rede por um tempo. Não sei ainda por quanto tempo. Voltei a praticar o gênero epistolar e-mail/carta, tenho muito mais contato direto (mesmo que virtual) com pessoas específicas, não conheço os memes da semana, sou a última a saber das novidades e, sim, sou esquecida de eventos. E nos momentos mais utópicos, me permito sonhar com o saudoso Nokia lanterninha. Quem sabe um dia…
Maria Bitarello acaba de lançar seu novo livro de crônicas, chamado O tempo das coisas, pela editora InMediaRes.
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