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A inveja dos trópicos

Carnaval de Olinda.

Branca Sobreira é escritora e jornalista

Quando lemos as notícias ruins do Brasil, levantamos as mãos e os braços aos céus e pensamos “Graças a Deus me mudei”. Quando o dólar, a criminalidade e a insensatez do governo aumentam temos certeza das nossas decisões. É fácil se refugiar nesses pensamentos tão confortantes de que estamos fazendo a coisa certa, indo pelo melhor caminho. Mas quando o outono vai embora, vem o inverno, e com ele dúvidas. O branco fantasmagórico das ruas encobertas de neve trazem solidão. Onde estão os transeuntes? É até difícil imaginar um cenário diferente desse atual, que nesse mesmo local já existiu sol, calor, suor. As árvores desfolhadas parecem esqueletos balançando ao som do vento uivante. Tanto isolamento traz lembranças à tona. Em pleno fevereiro, tudo evoca a maior festa popular de um país que é mais casa do que lugar. Nessas horas não existem mais defeitos, esquecemos a corrupção, queremos apenas tomar uma cerveja na rua, sem dever nada a ninguém. Andar por aí seminus e cobertos de glitter. Mas esse cenário tão distante da realidade parece até um sonho. É verdade que enquanto aqui vestimos camadas e mais camadas de roupas, lá em Olinda o Maracatu é ressonado por suas ladeiras. O frevo dançado. O samba é tocado em Santa Teresa. Uma passista encanta alguém. A paisagem do Rio de Janeiro continua irretocável como uma aquarela. Sol a pino, 40 graus, aquele mar que só de olhar dá pra crer que Deus existe. Cerveja baratinha e gelada no isopor do ambulante. Um beijo é compartilhado com um desconhecido em um bloco de rua de São Paulo ao som de Alceu Valença. Amores anônimos de carnaval se apaixonam e desapaixonam no mesmo instante. Amigas deixam os filhos em casa, se reencontram na independência e a festa não tem hora pra terminar. Que delícia esquecer tudo e viver uma grande farra nacional. Dá ressaca de pensar em tamanha folia. Como disse Tom Jobim: “Viver no exterior é bom, mas é uma merda. Viver no Brasil é uma merda, mas é bom”. Aqui da minha janela as árvores continuam sem as folhas e a neve agora começa a cair. Tudo cinza, como a minha melancolia. Não é fraqueza admitir que os trópicos são e sempre serão abençoados. Quem veio precisa de uma fé redobrada para continuar por esse caminho, resiliência é a palavra de ordem. É continuar aqui sabendo que o sol tem hora pra voltar.

Carnaval de Olinda 2018. Foto: Prefeitura de Olinda.

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