Perdido

De um dia para o outro, dá um vazio na cabeça, do nada. Um pânico. As coisas mais simples viram quebra-cabeças.

Foto: Conger.

José Francisco Schuster é colunista do Jornal de Toronto

De um dia para o outro, dá um vazio na cabeça, do nada. Um pânico. As coisas mais simples viram quebra-cabeças. Os primeiros desafios são acessar o básico do celular. E aí, como é que faz? Como se comunicar com o mundo? Digitar fica um tormento. Com velocidade, como ele exige para não bloquear a oportunidade de senha, impossível. E passar certas barreiras, torna-se impossível.

Um ponto a ultrapassar, que fazia com facilidade, torna-se impossível, angustiante. Lembro-me que eu mesmo o instalei, por sugestão do celular. Como, agora, cancelar esta coisa para que não me perturbe e me permita avançar? Não sei. Só ligando para a empresa do celular. E como se liga? Google dá mil respostas. Até lembrar da irritante gravação “você já tem três mensagens (absurdo, hein?). Ligue para 611 e libere mais, esta ligação é grátis”.

Ligo. Depois de uma ladainha, “o próximo atendente estará disponível em 35 minutos. Disque um que ele lhe retornará”. Eficiente, hein? E minha vida bloqueada. Lá pelas tantas liga a simpática atendente. “O telefone está todo bloqueado, quero desbloqueá-lo para tudo”, explico. Dane-se a segurança. Ela deve ter ficado com aquela cara de pasma com a pergunta de nível de idiota e com o suspiro de “ai, meu Deus, mais um telefonema dos piores, os idosos”. Tentou em círculos dar uma ideia, sem algo concreto. Ao final, já estava apelando para entrar em contato com o fabricante do aparelho. “Deixe, vou tentar mais um pouco e, se não der certo, vou na loja”, replico. “Nãooooo”, diz ela assustada, “a loja não pode fazer nada”.

Desligo com um celular inútil nas mãos e sem acesso ao mundo.

Mais tarde, chega minha enteada em casa. Adolescente! Chegou minha solução! Digo que não posso fazer nada. Ela mata a charada na hora: screen lock. Meu suspiro de alívio só dura fração de segundo. “Password”, ordena ela. PQP! Aquele que eles mandam ficar trocando e que tem que ter caixa alta, caixa baixa, caractere? Perguntar para mim, com a mente em branco??? Sem isso, não há como? Começam as tentativas, com o pânico de não ser bloqueado por excesso. Depois de suar frio, consegui. “Agora tem uma segunda senha, lembra?”, diz ela. Meu Deus do céu! É teste pra trabalhar na NASA? Mais um suplício. “Passou, repita a senha”. O quê??? “Faz um segundo que digitou…” Sim, mas nem sei o que digitei. A caixa era alta ou baixa? E o tal caractere? Mais um esforço sobre-humano para acertar. E finalmente, em um milagre, deu! Livre do screen lock, o primeiro de meus problemas.

Este é o cérebro, uma caixinha maravilhosa onde guardamos tudo o que somos e na qual também perdemos tudo em um nada. Pavor para os idosos, com os quais devemos ter compaixão, ainda mais em um mundo informatizado, cheio de códigos e senhas e até exigências de rapidez. É de enlouquecer.

Leia também a crônica “Mundo digital“, de Antônio Francisco Pereira.

Sobre José Francisco Schuster (80 artigos)
Com quase 40 anos de experiência como jornalista, Schuster atuou em grandes jornais, revistas, emissoras de rádio e TV no Brasil. Ao longo dos últimos 10 anos, tem produzido programas de rádio para a comunidade brasileira no Canadá, como o "Fala, Brasil" e o "Noites da CHIN - Brasil". Schuster agora comanda o programa "Fala Toronto", nos estúdios do Jornal de Toronto.

4 comentários em Perdido

  1. Parabéns Schuster!!!

  2. Excelente. Bem assim.

  3. Excelente texto, Schuster. Tava aqui angustiada lendo.

  4. Excelente e podemos nos ver nestas experiências. Logo será identificado a necessidade de adequação pois são perfis importantes e clientes em potencial. A melhor idade um segmento que todos estarão passando e consumindo, mas os serviços e produtos devem ser adequados para eles e para nós.

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