O edifício invisível

Como algo com sete andares de altura pode ser invisível?

Escombros e simulação onde ficava o prédio residencial de sete andares que desabou no bairro Dionísio Torres, em Fortaleza.

José Francisco Schuster é colunista do Jornal de Toronto

Como algo com sete andares de altura pode ser invisível? Ainda mais em área nobre de uma das maiores capitais brasileiras? Por 25 anos? Pois, acreditem, isso é possível. Aconteceu com o Edifício Andrea, em Fortaleza, que desabou no último dia 15 de outubro, em um sinal de total ausência do poder público – e isso que não estamos falando de interior de estado ou área rural.

Um espertalhão deve ter oferecido a venda dos 13 apartamentos em 1995 a preços muito convidativos, abaixo de mercado. “Para que papelada, é só burocracia”, deve ter argumentado. Os compradores, satisfeitos com a economia em documentação, devem ter gostado. Jeitinho brasileiro de todo lado: só há corrupto onde existe corruptor. E aí ergueu-se um edifício sem engenheiro responsável e com material da pior qualidade. Ficou pronto e foi entregue sem escritura, habite-se, IPTU, nada. Que negócio da China, hein?

Que possa haver um conluio entre picaretas inescrupulosos como esse e compradores que compactuam com a safadeza não causa mais assombro no Brasil, por incrível que pareça, já que no dia a dia há tantos casos equivalentes, apenas de menor porte. O que ainda causa espanto é a invisibilidade do edifício por mais de duas décadas aos diversos níveis de governo e às empresas prestadoras de serviços básicos, sem que houvesse uma única denúncia até o desabamento. Seria propina, simples ineficiência ou ambas?

A construção de um prédio de sete andares, em local ostensivo, não é algo discreto nem rápido, devendo ter levado certamente mais de um ano. Durante todo este período, não passou por ali nenhuma fiscalização da Prefeitura de Fortaleza? Nem do Conselho Regional de Engenharia e Arquitetura (CREA)? Nem dos bombeiros?

O departamento de limpeza urbana não notou um súbito aumento no volume de lixo ali recolhido? A empresa de energia elétrica não observou que toda aquela carga não poderia corresponder apenas à casa ali registrada? A empresa de água também não notou aumento de consumo, a empresa de telefonia não viu nada, a de internet também não, nenhum órgão ou banco pediu comprovante de residência, Imposto de Renda não checou. Em 25 anos, continuou a ser cobrado o IPTU de uma residência única, sem a Prefeitura desconfiar de nada? E hoje nem precisa sair da escrivaninha para comprovar: basta a foto no Google Maps. É a ausência total e generalizada de fiscalização, é menos do que estado mínimo, é estado inexistente.

E os espertos moradores, não se deram conta de que não haveria como vender os apartamentos se não fosse igualmente “de boca”, como compraram? E que uma herança iria ser uma dor-de-cabeça sem tamanho? O jeitinho brasileiro acabou deixando vítimas fatais e feridos e arruinando o patrimônio dos moradores. Se o edifício era invisível, era porque o estado, no Brasil, tornou-se invisível.

Sobre José Francisco Schuster (80 artigos)
Com quase 40 anos de experiência como jornalista, Schuster atuou em grandes jornais, revistas, emissoras de rádio e TV no Brasil. Ao longo dos últimos 10 anos, tem produzido programas de rádio para a comunidade brasileira no Canadá, como o "Fala, Brasil" e o "Noites da CHIN - Brasil". Schuster agora comanda o programa "Fala Toronto", nos estúdios do Jornal de Toronto.

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