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Você é o que você come

Camila Garcia é colunista do Jornal de Toronto

Pendurado na parede da enfermaria da minha escola secundária em São Paulo, um pôster com a foto de uma menina pulando, e seu corpo substituído por imagens de verduras, legumes, grãos e doces, trazia a mensagem em negrito: “Você é o que você come”. Talvez esta imagem tenha influenciado minhas escolhas pessoais; contudo, demorou alguns anos para que eu compreendesse a relação entre alimentação e políticas sociais.

O lançamento do Canada’s Food Guide 2019 – guia de nutrição produzido pela Health Canada – apresentou um novo olhar sobre aquilo que consumimos. O documento contém 62 páginas e foi preparado a partir de pesquisas científicas de alta qualidade em alimentação e saúde e sem conexões com nenhuma indústria alimentícia – o que é muito relevante. Ele influencia os conselhos nutricionais de médicos e nutricionistas e pode ditar o menu de escolas e hospitais. No modelo atual, entre as principais recomendações está: aumentar o consumo diário de frutas, legumes, alimentos integrais e proteínas derivadas das plantas. Outra grande mudança foi a indicação de proporções no prato, ao invés de tamanho de porções individuais, e o incentivo ao cultivo de hábitos alimentares positivos, como comer acompanhado de amigos ou familiares e cozinhar em casa. Para complementar, água é a indicação de bebida.

O que muitos não sabem é que este guia canadense teve como exemplo, entre outros, o revolucionário Guia Alimentar para a População Brasileira, lançado pelo Ministério da Saúde no Brasil em 2014. Ao contrário do que se espera, o manual não traz categorização de grupos de alimentos, nutrientes ou o famoso formato da pirâmide alimentar (abolido em 2010), e sim foca em uma visão holística, propondo uma nova classificação baseada nos quatro graus de processamento:

1. Alimentos in natura ou minimamente processados (carne fresca, legumes, leite, frutas, hortaliças, etc.);

2. Ingredientes culinários e industriais (amidos e farinhas, óleos e gorduras, sais, adoçantes, etc.);

3. Alimentos processados (carne seca, extratos ou concentrados de tomate, frutas em calda, queijos, sardinha e atum enlatados, etc.);

4. Alimentos ultraprocessados (sorvetes, balas e guloseimas, cereais, refrigerantes, iogurtes, etc.).

Claro que a recomendação é evitar ao máximo os produtos da última categoria.

Certamente a imigração vem acompanhada por mudanças nos hábitos alimentares, e o Canadá não possui a mesma riqueza e diversidade de produtos frescos como o Brasil; no entanto, a nutrição não deveria ser comprometida neste processo de adaptação; afinal, já é bem estabelecida a relação entre inúmeras doenças, como obesidade, gastrite, problemas cardiovasculares e diabetes, com a má alimentação – e que podem nos tornar dependentes de remédios durante toda a vida.

Uma pesquisa realizada em conjunto entre a Universidade de Guelph (Ontário) e a Universidade Dalhousie (Nova Scotia) revelou que a adoção das diretrizes do novo Canada Food’s Guide por uma família de quatro pessoas (2 adultos, 1 adolescente e 1 criança) resultaria na economia anual de 6,8% nos gastos alimentares. Porém, este quadro tende a não ser estável, uma vez que já está previsto para 2019 o aumento de até 6% nos preços dos vegetais e de 3% nas frutas. Maior demanda sem o acompanhamento do setor agrícola resulta em altos preços.

Se não houver implementação de medidas efetivas no controle de preço e regras para a indústria, no futuro próximo, pessoas de classe média e baixa terão que escolher entre ter uma alimentação saudável ou economizar a diferença para pagar outras contas – uma decisão que não deve ser negligenciada pelos governos e largada injustamente no colo do consumidor. Os produtos ultraprocessados são mais acessíveis e duráveis, mas eles adoecem a população, que por sua vez sobrecarregam o sistema de saúde pública e fomentam a indústria farmacêutica, contribuindo para um ciclo que beneficia apenas uma pequena fatia da sociedade. Hoje em dia, temos que ir além do que compramos no supermercado, precisamos compreender como esses ciclos operam e assim propor soluções viáveis para garantir o acesso permanente e regular de todos a uma alimentação adequada e saudável.

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