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Fim do mundo

Antônio Francisco Pereira é escritor em MG

O fim do mundo em Brumadinho começou na tarde de sexta-feira, 25 de janeiro de 2019. Começou subitamente com o rompimento de mais uma barragem. Com a revolta intestinal do caldeirão de lama que não se conteve nos limites geográficos traçados pelo homem. Para muitos moradores, que já temiam uma tragédia, por conta de trincas e vazamentos suspeitos naquela montanha de contenção, o aparecimento de uma nova fissura soou como um aviso. Mas as sirenes não soaram. E, assim, naquela tarde, o dique se rompeu com uma força descomunal, liberando um tsunami de 13 milhões de metros cúbicos de rejeitos que, nas horas seguintes, espalhariam um cenário bíblico de devastação e morte na região.

Como o Vesúvio, exceto pelas lavas incandescentes, a barragem Córrego do Feijão reescreveu, em solo mineiro, a história de Pompeia ao engolfar, em poucas horas, o povoado adjacente com uma onda gigantesca de água, areia e resíduos de minério de ferro. Arrastando casas, carros, móveis, árvores, animais e pessoas indefesas. Dois pilares de uma ponte, três locomotivas e 132 vagões desapareceram sob o turbilhão de lama. Quem sobreviveu não salvou nada, além da roupa suja e gosmenta colada no corpo. Náufragos desesperados se arrastando com dificuldade sobre o barro pegajoso e galhos retorcidos.

Com a chegada do socorro, o helicóptero dos bombeiros tinha, para eles, a dimensão da arca de Noé. Nessa hora Caronte, em seu barco, já podia contabilizar as vítimas entre mortos e desaparecidos. Dezenas e dezenas de corpos sugados pelo vagalhão só seriam resgatados, sem vida, nos dias seguintes. Outros, nem isso. Retornaram ao pó sem o adeus da família.

Visto do alto, logo depois, o lodaçal traçou uma rota pestilenta, infestando as águas do rio Paraopeba e destruindo o meio ambiente. Por satélite, uma sinuosa mancha escura contaminando o território conquistado. Uma locomotiva rebocando os destroços do que um dia foi um povoado cheio de vida, trabalho e esperança.

Ilustração de Valf.

Depois daquela sexta-feira, é verdade, a vida continua para mim, para o estimado leitor e para muitas pessoas. Milhares, milhões, bilhões de pessoas. Mas, para aquelas inocentes criaturas engolfadas no jorro da montanha – trabalhadores, donas de casa, crianças e idosos, e para várias espécies de animais – o mundo acabou naquele momento, de forma brutal, sob o impacto de um segundo dilúvio, que não foi deflagrado pela cólera de Deus, mas pela cobiça dos homens.

Foi com essa convicção que Lázaro Simões, acompanhado de uma repórter, voltou ontem ao local onde perdeu dois parentes. Conteve as lágrimas ao se deparar com o cenário pós-apocalíptico, a paisagem degradada que tinha agora diante dos olhos.

– Hiroshima! – respondeu quando a moça lhe perguntou em que estava pensando – A barragem era uma bomba de 100 megatons sobre nossas cabeças.

E em nome dele eu faço outras duas perguntas: Como vamos dormir tranquilos, daqui pra frente, se ainda existem outras bombas como essa espalhadas praticamente no quintal da nossa casa?

Quando e onde vai soar o próximo alarme?

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