Sou contra o que escolhi

Muitos brasileiros continuam com o “sonho americano”, mas imigram para o Canadá pela dificuldade de conseguir o tal Green Card.

Painel expositivo no Musée Canadien de l’Histoire, em Gatineau, QC. Foto: Vincent Lafond.

José Francisco Schuster é colunista do Jornal de Toronto

Se os colonos britânicos tivessem permanecido unidos, poderiam ter criado na América do Norte o maior país do mundo em extensão territorial, pois Canadá e Estados Unidos somados têm uma área de 19,3 milhões de quilômetros quadrados, contra 17,1 milhões da Rússia. No entanto, os colonos fiéis à coroa britânica viram que isso não valeria a pena e decidiram criar sua própria confederação, em oposição à independência dos Estados Unidos. São, portanto, dois países diferentes, que seguiram igualmente rumos diferentes.

Se os Estados Unidos se consolidaram após a Segunda Guerra Mundial como líderes mundiais do capitalismo, a Grã-Bretanha neste período desenvolveu o conceito de “welfare state” (estado de bem-estar), que se estendeu ao Canadá. Por ele, o governo toma a responsabilidade de proteger a saúde e o bem-estar de seus cidadãos, especialmente os mais necessitados, através de uma série de benefícios. No Canadá, reformas relativas ao “welfare” foram aprovadas nos anos 1960, garantindo renda mínima e auxílio em dificuldades da vida, como doença, idade e desemprego, além de criar uma série de serviços sociais.

É por isso que não temos no Canadá quase ninguém morando embaixo das pontes (e morrendo, literalmente, de frio), a saúde é pública (sem sistema privado paralelo para os mais afortunados, como no Brasil), o seguro-desemprego atende às necessidades básicas, mães solteiras e separadas têm proteção, crianças recebem um “salário-família” que realmente garante o mínimo para sobrevivência, e assim por diante. Os custos são bancados por uma tributação mais elevada aos de renda alta – ao contrário do Brasil, por exemplo, onde ganhos de capital têm uma tributação baixa. Também os Estados Unidos têm impostos mais baixos, em geral, ao custo de uma saúde pública incipiente.

Sendo Canadá e Estados Unidos tão diferentes, portanto, jamais os dois seriam igualmente opções para um potencial imigrante. Pergunte a um cruzeirense ou a um atleticano se aceitariam ser sócios do outro clube, mesmo que o outro ofereça muito mais facilidades e vantagens de ingresso. Há quem discuta acirradamente até pelo sabor da Coca-Cola e da Pepsi, não aceitando a outra marca de jeito nenhum. Entretanto, há uma impressão de que muitos brasileiros continuam com o pesadamente propagandeado “sonho americano”, mas imigram para o Canadá apenas pela dificuldade de conseguir o tal Green Card. O Canadá seria um mero prêmio de consolação, “foi o que consegui”, e não o orgulho de juntar-se a uma proposta muito mais avançada de país, uma social-democracia que faz com que a pobreza não seja uma calamidade.

Assim, apesar de desfrutarem dos benefícios de um dos melhores países do mundo para se viver, desejam que os que vivem no país onde nasceram continuem na miséria, com mendigos e desemprego por todo lado, discriminados e subjugados por uma polícia militarizada e violenta. Tiveram a sorte de sair de uma sociedade de castas, mas não aprenderam nada: o ódio aos diferentes continua, assim como o desejo, que jamais se concretizará, de pertencer a uma elite. São canadenses mal-agradecidos e brasileiros que não evoluíram ao emigrarem.

Sobre José Francisco Schuster (80 artigos)
Com quase 40 anos de experiência como jornalista, Schuster atuou em grandes jornais, revistas, emissoras de rádio e TV no Brasil. Ao longo dos últimos 10 anos, tem produzido programas de rádio para a comunidade brasileira no Canadá, como o "Fala, Brasil" e o "Noites da CHIN - Brasil". Schuster agora comanda o programa "Fala Toronto", nos estúdios do Jornal de Toronto.

5 comentários em Sou contra o que escolhi

  1. Muito bom o seu texto, Schuster… já estive algumas vezes nos USA e “morei” em Toronto por alguns meses, entre 2017 e 2018, fazendo um estágio de pós-doutoramento na York University, e tive exatamente essas mesmas impressões que você. Inclusive, conheci alguns brasileiros que tão pouco ou nada evoluíram ao emigrarem e que, conhecendo a tal condição de “welfare”, não conseguem vislumbrar nem desejar para aqueles que aqui no Brasil permaneceram, tal condição… assim como os que aqui ficaram e se julgam pertencer ou sonham pertencer à tal elite daqui… mas não passam de assalariados com condições melhores do que a grande maioria dos brasileiros. Há tantos outros brasileiros, no entanto, como você e alguns outros colunistas deste Jornal de Toronto, do qual tenho sido leitor assíduo desde que conheci, que emigraram para o Canadá e estão juntos conosco, por um Brasil mais justo e com melhor distribuição de suas riquezas. Porque por aqui, neste momento, parece que a miséria aumentará mais e mais… lamentável situação em que estamos. E agora, pior ainda, pela “escolha” da maioria, manipulada pela grande mídia golpista.

  2. Fantástica matéria Schuster!!!

  3. Parabéns pelo texto. Eu e meu marido discutimos sempre a mesma coisa: o absurdo que é o imigrante brasileiro aqui no Canadá receber auxílio do governo quando têm um bebê e ter a indecência de ser contra o bolsa família no Brasil.

  4. Este texto é tão bom que não queria que tivesse acabado. Por favor, fala mais!!!!
    Parabéns!

  5. Você conclui o texto de forma magistral. Moro atualmente em Montreal e fico perplexo com a mentalidade e postura dos brasileiros aqui.

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