Trump, amigo do peito

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Camila Valente é enfermeira especialista em amamentação

Recentemente o New York Times publicou sobre a polêmica atitude de Trump de tentar inviabilizar uma resolução de proteção ao aleitamento materno e controle ao marketing voraz de leites artificiais durante a Assembleia Mundial da Saúde. A tentativa de Trump fracassou, mas a delegação dos EUA foi acusada de favorecer os interesses de empresas de fórmula infantil em detrimento da saúde pública.

Muitos se surpreenderam com a repercussão dessa notícia, incluindo uma representante do Equador, que não quis ser identificada pelo NYT: “Ficamos chocados, pois não entendemos como uma questão tão pequena como amamentação poderia provocar resposta tão dramática”. Essa fala ilustra muito do senso comum atual referente à nutrição infantil.

Durante o século XX, a alimentação artificial foi promovida gradualmente de intervenção a experiência inerente à infância, resultado do trabalho competente da indústria da fórmula. Está nos livros infantis, nos utensílios das bonecas, na TV, no inconsciente coletivo. Hoje, leites artificiais são frequentemente administrados prematuramente, comercializados livremente em supermercados e distribuídos durante emergências naturalmente, como cobertores. A ideia subliminar é a de que leite artificial e materno são equivalentes, quando não é esse o caso.

E pelo contexto de total desigualdade de incentivos entre o normal biológico e o comercial, nós, consumidores, também frequentemente desconhecemos os riscos da alimentação artificial infantil, bem como estratégias necessárias para reduzi-los, quando da necessidade de seu uso.

Fórmulas infantis podem ser necessárias em alguns casos e serão úteis quando bem indicadas, como a insulina, por exemplo. É por isso que organizações defensoras da amamentação exigem o controle de qualidade dos leites artificiais comercializados, para que bebês que precisem fazer esse uso tenham acesso a uma alimentação segura, ainda que inferior.

Ainda assim, estima-se que o uso indiscriminado de fórmula atualmente custe ao mundo aproximadamente US$ 300 bilhões em custos relacionados à (falta de) saúde, 823.000 vidas de crianças e 20.000 de mulheres – atenção – por ano. Enquanto que o lucro projetado para 2019 das empresas que comercializam leite artificial é de US$ 70 bilhões. Será essa a motivação de Trump e motivo do alarde?

Pois é, atualmente amamentar pode ser quase que um ato de resistência – ao que hoje é “normal” – mas que deveria ser um direito humano básico, natural e gratuito. A quem for jogar pedras, por favor, mirem nos titãs e não nas Genis. Estamos ocupadas fazendo nosso melhor; seja resistindo ou pagando por fórmula.

camilavalente.com

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