O drama dos deportados
José Francisco Schuster é colunista do Jornal de Toronto
Você está de boa quando o telefone toca de repente: “Pegaram o Fulano. Está na prisão da Imigração”. Você gela – ainda mais – de cima a baixo. Mais um que acreditou que o Canadá é igual aos Estados Unidos pré-Trump, onde a Imigração fechava um olho para os indocumentados. Contudo, como o Canadá tem muito mais possibilidades de legalização de um imigrante do que no vizinho – e uma população sete vezes menor para a Imigração controlar –, é muito diferente. O Canadá deportou 117 mil pessoas entre 2006 e 2014, ou seja, 35 por dia, inclusive para países em conflito.
Achar um indocumentado, mesmo que mantenha uma vida reclusa, não é difícil. Basta, por exemplo, uma infração de trânsito qualquer (não importa que não seja o motorista do veículo, a polícia checa todos os passageiros), uma batida da Imigração em locais de trabalho ou uma denúncia. Indocumentado não pode ter inimizades. Não pode nem mesmo ser mais firme com o patrão que não quer lhe pagar o que lhe deve. Além de não haver onde o trabalhador se queixar, neste caso (o patrão pode se vingar). O charme brasileiro também joga contra: uma canadense denunciou um belo brasileiro que não aceitou ir para a cama com ela. E, vejam só, um marido de mentirinha foi à loucura quando flagrou a brasileira com o namorado de verdade. Ciúmes é fatal.
Em Toronto, a prisão da Imigração fica em um discreto prédio na Rexdale Boulevard. Depois da identificação do visitante, se entra em um ambiente de filme – no mau sentido. Cabines onde visitante e preso ficam separados por um vidro. Mãos se tocam pelo vidro, abraços são impossíveis. Lágrimas rolam dos dois lados. A conversa é por um telefoninho, naturalmente grampeado. Entre amenidades, como as que se fala em velório, curiosamente muitas vezes se repete uma em que o preso diz “quebrou a calefação aqui, tenho passado muito frio”. Por trás do preso que se visita passam famílias inteiras rumo a outras cabines, inclusive com crianças pequenas, para desespero dos avós visitantes. Já fiz várias dessas visitas e sempre saio arrasado. Dói demais – e isso que eu sou apenas o visitante, que vai levar uma palavra de conforto.
A prisão dura em média pouco menos de uma semana, durante a qual há um julgamento de cartas marcadas – como os de certos juízes brasileiros –, onde o preso aparece só em vídeo para um tribunal em outro lugar. Aí, só resta a um amigo a dolorosa tarefa de preparar a mala do preso, que vai da prisão direto para o aeroporto, sem sequer passar em casa uma última vez. O que não couber na mala, fica para trás. É caro demais mandar pelo correio, não vale a pena. Assim, em uma mísera malinha, termina o sonho mal planejado do Canadá. Como diz meu colega Cristiano de Oliveira, “adeus, cinco letras que choram”.
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Não é tanto assim, tão assustando o pessoal a não ir…
Maravilhoso Schuster! Parabéns. As pessoas que estão nesta situação precisam disto: informações importantes para que elas façam suas escolhas e possam ser felizes. Deportação é coisa difícil.