Analisando o prêmio do TTC lá do último banco

Eu já vi gente que oferece serviço ruim pedir desculpa, mas daí a anunciar que ganhou prêmio é abusar demais da paciência do cristão.

Cristiano de Oliveira é colunista do Jornal de Toronto

Saudações, elementos de alta periculosidade.

Eu já vi gente que oferece serviço ruim pedir desculpa, fazer um agradinho pra compensar o mau jeito, ou no mínimo se esconder esperando a poeira baixar. Mas daí pra oferecer um serviço que todo mundo morre de raiva e ainda anunciar que ganhou prêmio de melhor transporte público da América do Norte, é abusar demais da paciência do cristão. É desrespeitar o sovaco do próximo que a gente é obrigado a cheirar todo dia. Tivemos uma matéria na edição passada sobre o caso, mas permitam-me acrescentar meu pudico comentário.

Claro que estou falando do famigerado TTC, o sistema de transporte público de Toronto que ficou parado no tempo por 600 anos, vivendo dos louros do passado, até que um belo dia acordou e notou que a cidade tinha dobrado de tamanho. Daí foi uma bobagem atrás da outra: encomenda de novos streetcars que não chegaram (e seus trilhos que tiveram que ser trocados), dezenas de falhas mecânicas que atrasam praticamente toda viagem de metrô, os constantes suicídios (cerquinha na plataforma é muito caro, eles declaram), o ar condicionado do metrô que, no calor de 42 graus, só voltou a funcionar depois que o prefeito foi lá experimentá-lo… O serviço só piora – uso transporte público aqui desde 1998 e acompanho a decadência – e agora os caras ainda vêm dizer que ganharam prêmio de melhor da América do Norte! Acho que eles concorreram com mais duas cidades onde o transporte público é feito em riquixá e jegue, respectivamente. E pra aumentar a petulância, ainda divulgaram que a empresa deu lucro em 2017, mas o dinheiro não será reaplicado em serviços – nesse momento eles estão decidindo se reaplicam o dinheiro em 7 Belo ou Pip Hortelã. Fato é, pelo menos às 9 e às 17 horas, a penitência continuará.

É claro que o povo também não ajuda, apesar das campanhas educativas: ocupar cadeira com bolsa já é normal. Música alta nos fones de ouvido é mato, tem dia que eu ouço três músicas ao mesmo tempo e nenhuma é minha. O corredor do ônibus é sempre bloqueado por mochilas nas costas. O povo é bruto mesmo. E sempre vem um dizer que canadense é muito educado. Ah, sei… A menos que o movimento separatista da estação Kipling tenha fundado a República Tosca de Jacy Lascaux, esse conceito é jogado pra cima quando o ônibus vem chegando.

E se você é um daqueles que lê isso e a frase “então volta pro Brasil” vem à boca, permita-me interromper com um singelo pedido: por gentileza, vá pro inferno! Eu volto quando eu quiser, cê não manda em mim não! Pago 30% de imposto de renda na fonte todo mês, mais $150 de Metropass, levo 1h15 de casa ao trabalho, então reclamo e reclamo gostoso, e ainda encorajo todo mundo a reclamar também no twitter @ttchelps, pois só com pressão popular que eles vão se mexer. E se me irritar muito eu vou passar a cobrar o direito de armar rede dentro do ônibus pra ir dormindo. E Bala Chita e Babalu de cortesia, pois o passageiro em questão gosta de doce.

Adeus, cinco letras que choram.

Sobre Cristiano de Oliveira (30 artigos)
Cristiano é mineiro, atleticano de passar mal, formado em Ciência da Computação no Brasil e pós-graduado em Marketing Management no Canadá. Foi colunista do jornal Brasil News por 12 anos. É um grande cronista do samba e das letras.

2 comentários em Analisando o prêmio do TTC lá do último banco

  1. Meu colunista preferido, inteligentíssimo. Tem um humor e um sarcasmo que lhe é peculiar. Mas tem o dom escrita.
    Com seu jeito brejeiro de escrever, diz as verdades que tem que ser ditas.
    Parabéns meu querido amigo por todoas as suas crônicas em especial essa sobre nosso transporte público. Faço minha suas palavras. 👏🏻👍🏻

  2. Concordo com você em todos os sentidos! As pessoas acham que só porque somos imigrantes temos que usar um cabresto.

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