SIRI não só entende o que você diz, mas também o que você quer dizer

Atriz contracena no palco com o software SIRI.

A atriz e coautora Laurence Dauphinais no palco com o “monólogo” SIRI. Foto: Julie Artacho.

Letícia Tórgo é produtora cultural no Canada e no Brasil

Desde o lançamento do iPhone 6S, o software SIRI ouve o que dizemos a todo momento. Como uma assistente pessoal. Ou como uma amiga. Eu nunca quis ativar SIRI em meu telefone. Talvez porque não gostaria que ela me ouvisse o tempo inteiro. Talvez porque não queria uma nova amiga. Ou os dois.

Mas SIRI decidiu cruzar meu caminho de outra forma. Através de um amigo em comum, Pablo Mattos, fui apresentada à Laurence Dauphinais. Ela, em parceria com Maxime Carbonneau, e com a própria SIRI, escreveram e produziram uma peça de teatro inimaginável. Um espetáculo onde uma atriz interage com uma máquina de inteligência artificial e nos faz questionar quem é o verdadeiro programador: o homem ou a máquina.

A partir desta conexão, em junho deste ano cheguei a Tadoussac, no Quebec, onde fiz a versão do texto para o português em uma residência de tradução, a Glassco Translation Residency. Conheci uma das cidades mais belas da belle province e ainda trabalhei durante dez dias vendo baleias da minha janela. Com uma subvenção do Brasil e patrocínio do Oi Futuro, levo SIRI para meu país pela primeira vez. Uma oportunidade única de criar uma ponte cultural entre o Brasil e o Canadá, algo que tento realizar desde que cheguei em terras geladas, em julho de 2014.

SIRI estreou dia 23 de novembro no Oi Futuro Flamengo, no Rio de Janeiro, e contou com tradução simultânea, uma sessão com libras para espectadores surdos e uma sessão com audio-descrição para cegos.

Depois de muitos desafios em Montreal, a oportunidade de traduzir e produzir um espetáculo canadense, através da minha empresa no Brasil – a Da Gaveta Produções – é um sonho realizado.

Mas eu me pergunto, será mesmo que SIRI não sabia deste sonho antes mesmo que eu me desse conta?

De Montreal para o Rio

Pela primeira vez no Brasil, SIRI, de Laurence Dauphinais e Maxime Carboneau, estreia em novembro no Rio

Uma atriz e uma máquina de inteligência artificial. Preocupada com os temas da intimidade, corpo, memória e sede de espiritualidade, Laurence Dauphinais visa explorar, neste trabalho, a relação entre o aplicativo SIRI e os seres humanos.

Seu interesse é a junção entre ciência, arte e tecnologia, trabalhando com engenheiros, programadores e outros artistas para desenvolver uma ferramenta audiovisual sincronizada com a emoção humana, através de sinais fisiológicos do corpo.

“Nossa intenção aqui é aprofundar uma investigação por conta de todas as mudanças de paradigmas pelas quais estamos passando em nossas relações. Esses organismos digitais estão se tornando cada vez mais autônomos e humanos em nosso dia-a-dia. Em um contexto dramatúrgico, tentamos desvendar os limites da linguagem de SIRI, suas restrições de programação e falhas retóricas na estrutura binária de pergunta e resposta, a partir de onde pode surgir, inclusive, poesia. SIRI é programada para dar versões diferentes de respostas a uma mesma pergunta. Como não tem memória, o objeto teatral é construído através da insistência e repetição. Nosso desafio, a partir desta retórica incomum de linguagem, desta busca por respostas, é conhecer suas estratégias para avançar com a história no palco, ao vivo”, explica a atriz.

Os jovens autores Laurence Dauphinais e Maxime Carboneau são apaixonados por novas tecnologias. Em 2013 outro espetáculo sobre o tema, o IShow recebeu os prêmios de Melhor espetáculo pela Associação dos Críticos de Quebec e o prêmio Buddies in Bad Time Vanguard de risco e inovação, no Summerwork Festival, de Toronto. Em 2015, um esboço do espetáculo SIRI foi apresentado no OFFTA (festival paralelo ao Festival TransAmériques) em Montreal. No formato de um TED TALK, Laurence levantou paradigmas causados ​​pelas novas tecnologias em nossa comunicação e relações humanas. Ela apresentou ao público SIRI, questionando a estreita relação que temos com a tecnologia. SIRI, por sua vez, assumiu o papel de um segundo personagem principal, com igualdade de voz ao lado de Laurence. A partir daí, Laurence e SIRI dividiram a cena face aos espectadores com a mesma força e presença. SIRI provou ser uma musa, um obstáculo, uma coautora e uma artista de atuação imprevisível.

Ainda em 2015, o formato atual foi apresentado no Festival TransAmériques (maior festival de teatro e dança contemporâneos da América do Norte). Desde então, tem sido apresentado em diversos teatros de Montréal e, este ano, fez parte do Festival Fringe de Edimburgo, na Escócia, onde foi sucesso de público e crítica.

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