O Cavaleiro das Américas

Leia um trecho do livro de Filipe Masetti Leite.

Foto: Barbara Nettleton.

Filipe Masetti Leite é jornalista, escritor e cavaleiro

Estávamos no meio da travessia de um rio turbulento quando o cabo do cabresto de Frenchie escapou da minha mão e, com água até o nariz, vi os olhos cheios de medo do meu robusto palomino. Trocamos um rápido olhar de pânico antes de sermos tragados pela fúria da água marrom. Lutei para alcançá-lo, a água me sacodia como se eu fosse um boneco, até que não consegui mais. Afastei-me e nadei para a margem com medo de nunca mais ver meu cavalo de novo. Minhas botas desgastadas finalmente encontraram as rochas, mas minhas roupas encharcadas continuavam me afundando, fiquei descontrolado. Mesmo com os diferentes e muitos sons da selva, ouvi Bruiser e Dude relinchando aflitos pelo amigo. Conseguira transportar os dois pelo rio minutos antes – um de cada vez – mas na terceira e última vez não tive sorte.

Frenchie, com medo da água, entrou em pânico no meio do rio. Em vez de nadar como os outros cavalos, deu uma guinada para voltar à margem, mas em um instante foi arrastado pela correnteza furiosa. Agora nem sequer dava para vê-lo. Meu menino dourado se foi. E se ele se afogar? E se quebrar uma pata nas pedras? E se um crocodilo o pegar? Saí do rio e corri pela margem. Estava quase perdendo a esperança, quando o encontrei, de pé, com a água na altura da barriga, tentando chegar no chão seco. Gritei seu nome e ele imediatamente virou a cabeça para mim. Caminhei pela água até alcançá-lo. “Calma, filho. Peguei você”, falei e agarrei o cabo do cabresto dele. Encostou o focinho no meu estômago como se dissesse “obrigado”. Fomos para a terra seca. Ele ficou parado, encharcado e ofegante, enquanto eu verificava se havia ferimentos em seu corpo. Para meu grande alívio, ele estava bem. Voltamos, amarrei Frenchie com seus irmãos e então me sentei na sombra, tentando recuperar meu fôlego e me acalmar. Estávamos no sul do México, sozinhos, no meio da nossa longa jornada para casa e, como em muitas outras vezes, tínhamos acabado de escapar da morte. Mas por quanto tempo? Todos os dias eu selava meus cavalos, pedia ao universo para nos manter seguros. A simples travessia de um rio se tornava mortal em segundos. E havia ainda muitos rios a atravessar. “Como chegaremos vivos ao Brasil?”, perguntei aos meninos. “Não tenho certeza”, respondi a minha própria pergunta, algo em que me tornei especialista, já que os cavalos sempre me davam um tratamento silencioso. Eu me controlei, montei na sela e fiz a única coisa possível – cavalguei. Sou um caubói. Levarei meus cavalos em segurança para casa, não importa o quão difícil ou perigoso isso possa ser. Quando começo alguma coisa, vou até o fim.

Prólogo do livro Cavaleiro das Américas, de Filipe Masetti Leite (Editora Harper Collins).

Em 2012, Filipe Leite iniciou sua viagem de Calgary (Canadá) até Barretos (Brasil) a cavalo, percorrendo dez países e 16 mil quilômetros em dois anos; em 2016, seguiu a viagem de Barretos ao Ushuaia (Argentina), atravessando quatro países e 7 mil quilômetros, num período de um ano e três meses. Sua próxima viagem será do Alasca a Calgary, percorrendo assim todas as Américas, do extremo norte ao extremo sul, a cavalo.

Ouça a entrevista com Filipe Leite, contando sua incrível trajetória.

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